Sinalizando a Saúde para Todos: HIV/AIDS e Pessoas com Deficiência

Sinalizando a Saúde para Todos: HIV/AIDS e Pessoas com Deficiência

Marta Gil e Sérgio Meresman (*)

Quase cinco milhões de pessoas contraíram o vírus HIV, em 2005, perfazendo um total estimado de 40,3 milhões de pessoas infectadas (Unaids, 2005). Mais de duas décadas depois do começo da epidemia, em muitas partes do mundo o grau de informação sobre a transmissão do HIV continua assustadoramente baixo. O caso da população de pessoas com deficiência, que tem baixíssimo acesso a programas de prevenção ilustra claramente essa realidade.

De fato, a incidência do HIV/AIDS junto a essas pessoas é quase desconhecida; a falta de estudos e pesquisas, assim como de ações de informação e prevenção acontece não apenas no Brasil, mas também em outros países. A conseqüência desta falta de informações, combinada às condições de maior vulnerabilidade e risco dessa população é o aumento do número de casos de DST e de HIV/AIDS. "Muito pouco é conhecido sobre a incidência de HIV/AIDS nas populações de pessoas com deficiência. Há apenas alguns estudos que foram publicados - muitos oriundos da América do Norte. Por exemplo, um levantamento feito nos Estados Unidos relatou que o índice de infecção pelo HIV dentre os surdos representa o dobro do índice para pessoas da população com audição normal, na mesma área. Há alguns poucos estudos comparativos sobre os índices de incidência do HIV nas populações com deficiências no mundo em desenvolvimento. Utilizando DSTs como um indicador para possível exposição ao HIV, Mulindwa fez estudos sobre Uganda e constatou que 38% das mulheres e 35% dos homens com deficiência relataram que tiveram uma DST em algum momento de suas vidas". [1]

Dentre os fatores de risco para a população com deficiência, podemos citar, em alguns países, a pobreza extrema e as sanções sociais, que dificultam o casamento e aumentam a probabilidade de relacionamentos instáveis, assim como de abuso sexual e estupro. Fatores tais como maior vulnerabilidade física, a necessidade de cuidados adicionais, necessidade de moradia em instituições, e a crença generalizada que as pessoas com deficiência não são testemunhas confiáveis para fazer sua própria defesa fazem dessas pessoas um alvo fácil para os "predadores". A bissexualidade e homossexualidade [2] são relatadas em grupos de adultos com deficiências auditivas e/ou intelectuais, enquanto o conhecimento sobre o HIV/Aids e sua prevenção é muito baixo nestes mesmos grupos. Pessoas com deficiência estão em situação de maior risco de uso de drogas e há menor probabilidade que se beneficiem de programas de prevenção. Estima-se que 30% das crianças em situação de rua tenham algum tipo de deficiência; estes jovens raramente são alcançados pelas campanhas em prol do sexo seguro.

Como explicar que, embora esses poucos estudos indiquem um aumento da incidência de HIV/AIDS em pessoas com deficiência (ou de outras doenças de origem sexual), haja tão poucas campanhas de prevenção direcionadas para elas e tão poucos programas de educação sexual e de prevenção que as levem em conta? Os conteúdos informacionais e a comunicação sobre o HIV são, freqüentemente, inacessíveis para pessoas com deficiência visual ou para surdos.

Segundo a pesquisadora Norah Groce [3] , "Presume-se, freqüentemente, que pessoas com deficiências físicas, sensoriais (surdez ou cegueira) ou intelectuais, não representam uma população de alto risco para a infecção pelo HIV/Aids. Há a noção errônea de que estes indivíduos não são sexualmente ativos, não fazem uso de drogas ilícitas ou álcool, e que são menos suscetíveis à violência sexual e ao estupro do que pessoas sem deficiência. No entanto, um volume crescente de pesquisas indica que, na realidade, elas se encontram em situação de maior risco para todos os fatores de risco de infecção pelo HIV/Aids.

As instalações de serviços médicos muitas vezes também não são acessíveis para pessoas com deficiências físicas. Nos locais onde os medicamentos para AIDS são escassos e onde os serviços de apoio para pessoas com HIV/AIDS são insuficientes, as pessoas com deficiência são as últimas a receber atenção.

A exclusão de pessoas com deficiência de programas e medidas de prevenção e e atenção ao HIV/AIDS representa uma falta de visão. Tendo em vista o tamanho deste segmento da população (15% da população brasileira, segundo o enso Demográfico 2000, do IBGE), a epidemia de AIDS não pode ser controlada, com sucesso, se estas pessoas não estiverem incluídas em todos os esforços feitos.

Chegou o momento de contribuir para mudar esta história. Entendemos que Agentes Comunitários, professores, assistentes sociais e outros profissionais, que conhecem sua comunidade são atores privilegiados e precisam ter acesso a informações atualizadas, para fazer a sua parte na promoção da saúde e na melhoria da qualidade de vida de todos, tenham ou não deficiência.

Talvez mais importante que "pacotes" de programas de orientação sexual seja a formação de recursos humanos, a capacitação em serviço de profissionais no âmbito das escolas e instituições, para que estes possam criar e implementar projetos específicos, a partir da realidade de sua escola ou instituição.

A desmistificação da discussão sobre relações amorosas, casamento e filhos de pessoas com deficiência, bem como a orientação para comportamentos afetivos e sexuais em situações de inclusão, incluindo o debate sobre a maior exposição das pessoas com deficiência a situações de riscos, são também temas prioritários de investigação e de intervenção.

(*) Este artigo é produto do Projeto "Sinalizando a Saúde para Todos: HIV/AIDS e Pessoas com Deficiência", realizado pelas seguintes entidades parceiras: Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas; APTA - Associação para Prevenção e Tratamento da AIDS; CEDAPS Centro de Promoção da Saúde; FUNLAR - RIO / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e que tem o apoio do Banco Mundial e da Cooperação Portuguesa, através do CNOTINFOR - Centro de Novas Tecnologias da Informação.

Marta Gil é socióloga e Coordenadora da Rede SACI/CECAE/USP e Sérgio Meresman é psicólogo social, especializado em desenvolvimento comunitário e promoção da saúde.

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[1] Nora Groce, Ph. D., "Levantamento Mundial Sobre HIV/Aids e Deficiências", Yale School of Public Health, Global Health Division, Abril de 2004, in http://cira.med.yale.edu/globalsurvey

[2] Vale ressaltar que estas são características que independem da condição de deficiência ou mesmo do tipo de deficiência. A citação acima é resultado de uma pesquisa de âmbito restrito não devendo ser interpretada como se contivesse uma conotação de discriminação, pois não era esta, em absoluto, a intenção da Dra. Norah Groce, sua autora.

[3] Para ler o documento na íntegra: http://cira.med.yale.edu/globalsurvey

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